Ambiente
A caminho de outro planeta
A mudança na composição da atmosfera nos forçará a enfrentar a vida em
um mundo hostil e desconhecido
por Antonio Luiz M. C. Costa — publicado 03/06/2013 - CARTA CAPITAL
Para preservar a velha terra, a concentração de dióxido de carbono teria
de se limitar a 350 partes por milhão. Já está em 400 e em aceleração
Ninguém ouviu sete anjos tocarem trombetas ou viu quatro cavaleiros
galoparem sobre as nuvens. Mas algo de muito sério aconteceu em maio de 2013:
pela primeira vez em 2,6 milhões de anos a concentração de dióxido de carbono
na atmosfera terrestre alcançou 400 partes por milhão. Não é a média anual (que
deve ficar próxima de 397) e sim uma medição próxima do pico sazonal, mas
justifica soar o sinal de alarme. Ao ritmo atual, a média anual deve superar as
400 ppm, o mais tardar, em dois anos.
Da última vez que isso aconteceu, mastodontes passeavam pelas Américas,
nossos ancestrais ainda pouco diferentes de chimpanzés começavam a aprender a
lascar pedras e o aspecto dos oceanos e continentes era visivelmente outro,
pois o nível do mar era 25 metros mais alto e não havia gelo no Ártico. A
humanidade presenciará mudanças ambientais igualmente impressionantes, mas
comprimidas em um período muito mais curto.
Tão assustador quanto o índice em si é a rapidez com que sobe. Na era
glacial, a atmosfera continha 180 ppm de dióxido de carbono. Do princípio da
civilização ao início da Era Industrial, era 280 ppm. Em 1958, ao se iniciarem
as medidas de precisão no alto do vulcão havaiano Mauna Loa (escolhido pela
distância de fontes de poluição), era 316 ppm. Em 1992, durante a Cúpula da
Terra no Rio de Janeiro, era 356. Cinco anos depois, ao se assinar o Protocolo
de Kyoto, 364, e no ano 2000, 369. O aumento era de 1 ppm por ano em meados do
século XX, 2 ppm por ano na primeira década deste século e foi de quase 3 ppm
desde o ano passado. Não só não se consegue estabilizar a quantidade de gases
de efeito estufa na atmosfera, como o desequilíbrio se acelera e não dá sinais
de frear.
Em um estudo de 2007, o climatologista James E. Hansen
advertiu que “se a humanidade deseja preservar um planeta semelhante àquele em
que a civilização se desenvolveu e ao qual a Terra se adaptou, as evidências
paleoclimáticas e as mudanças climáticas em curso sugerem que o dióxido de
carbono terá de ser reduzido das (então) atuais 385 ppm para no máximo 350 ppm,
mas provavelmente menos do que isso”. Esse estudo motivou o jornalista e
escritor Bill McKibben a criar em 2009 a 350.org, com o objetivo de
conscientizar governos e sociedades da ameaça e tentar reverter o processo. Sem
sucesso, como se vê.
É como se a humanidade estivesse para ser teletransportada para um
planeta diferente, certamente bem menos hospitaleiro do que a Terra que o Homo
sapiens conheceu durante todos os seus 150 mil a 200 mil anos de
existência. O quanto menos depende de vários fatores, mas o principal é até que
ponto a atmosfera será modificada.
As propostas debatidas na conferência internacional de Copenhague em
2009 (COP15) e na Rio+20 de 2012 tinham como meta estabilizar a proporção de
dióxido de carbono em 450 ppm, limite dentro do qual os climatologistas
julgavam haver 66% de probabilidade de limitar o aumento da temperatura média
global a 2 graus Celsius, incluído o aumento de 0,8 grau verificado desde 1900,
dois terços do qual desde 1980.
Parece pouco? Considere o que significa quando a temperatura do seu
corpo sobe de 36,7 graus para 37,5 e depois para 38,7. Essa alta, que é uma
média – partes do mundo terão aumentos de até 4 graus –, bastará para provocar mudanças
sérias nos regimes de chuvas e ventos e a piora dos furacões, secas e
inundações em grandes porções do planeta, além do agravamento da acidificação
dos oceanos, que já aumentou 30% desde o início da Era Industrial e cujos
efeitos sobre organismos com esqueletos de carbonato de cálcio (principalmente
os corais) são visíveis e graves.
Mesmo isso se tornou utopia. Seria preciso, segundo estudo da OCDE em
2010, reduzir as emissões de gás carbônico em 12% até 2020 e 70% até 2050, mas
os resultados da COP15 e da Rio+20 foram notoriamente pífios e a crise do Norte
arquivou os planos de ação eficaz no futuro próximo. Principalmente na União
Europeia, antes líder em política ambiental, apesar da falta de contrapartida
das outras potências. Substituir os combustíveis fósseis para conter as
emissões de gás carbônico exige investimentos públicos e privados de retorno
lento e as autoridades políticas e empresariais do mundo preferem cortar gastos
e acumular lucros hoje a evitar um desastre ecológico capaz de lançar as
próximas gerações na miséria.
Os 450 ppm serão, no ritmo atual, ultrapassados por volta de 2030. Se na
década de 2020 o tema for levado a sério e as emissões por fim começarem a
cair, a meta passa a ser conter o gás carbônico na atmosfera a 550 ppm até
2100. Neste cenário, há 50% de chances de conseguir limitar o aumento da
temperatura média a 3 graus, mas sem nenhuma garantia. É possível que, nesse
patamar, o derretimento do solo congelado (permafrost) do Ártico lance
quantidades incontroláveis de metano na atmosfera, iniciando um processo de
autoalimentação do efeito estufa que ninguém mais poderá conter. Só resta
desejar boa sorte a nossos descendentes que terão de viver neste planeta hostil
e desconhecido.
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