Colunistas| 15/06/2013 | Copyleft
DEBATE ABERTO
Um estado policial
Estamos assistindo a uma perigosíssima associação entre as forças policiais e a extrema direita de caráter fascista no mundo inteiro – o que merece uma análise mais ampla. Mas, no caso brasileiro, parece haver interesse calculado em criar um ambiente de pânico na população, que sempre favorece os golpistas.
Mauro Santayana
A violência da polícia, na repressão aos protestos contra o aumento das tarifas de ônibus, em São Paulo, no Rio e em Niterói, deve ser vista além dos episódios em si mesmos. Estamos nos tornando um estado policial, sem que haja uma reação coordenada de defesa da cidadania. É provável que os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro estejam perdendo o controle de seu sistema de segurança, o que é grave; mas também é possível que eles tenham estimulado a caça indiscriminada aos manifestantes – e isso é alarmante.
Argumenta-se que o aumento anunciado – de apenas vinte centavos – é irrisório e não justificaria a reação popular. Os mais vividos se recordam que quebra-quebras promovidos pelos estudantes – aos quais se somavam os transeuntes disponíveis – sempre houve no passado. Não só se protestava contra o aumento dos transportes coletivos, como, também, contra o aumento dos ingressos cinematográficos. Isso sem esquecer as costumeiras passeatas contra o alto custo de vida, que se faziam sob a percussão de garfos e facas contra panelas vazias.
Um dos símbolos da imprensa alternativa, o Binômio, de Belo Horizonte, que seria depredado por militares na antevéspera do golpe de 1964, nasceu como protesto contra a violência da polícia de Minas – e em pleno governo democrático de Juscelino, em 1953. Os estudantes de Belo Horizonte se amotinaram contra o aumento dos cinemas, quase todos pertencentes a um só homem, e foram golpeados pelos longos porretes dos soldados da cavalaria. Diante da reação policial – e de nenhum protesto dos jornais – os jornalistas José Maria Rabelo e Euro Luis Arantes decidiram editar o jornal em que se reunia o humor crítico aos textos pesados e mais pensados.
Mas a violência, no passado, tinha os limites dos cassetetes e das chamadas bombas de efeito moral. Mais ainda: a polícia evitava golpear quem não estivesse praticando atos de vandalismo – e os jornalistas eram sempre respeitados. Nos incidentes dos últimos dias, os jornalistas foram os alvos preferenciais da repressão, e há uma razão: eles são testemunhas públicas da violência. Vários companheiros nossos foram vítimas de empurrões, pescoções, jatos de pimenta nos olhos, bombas de gás lacrimogêneo endereçadas, porretadas e balas de borracha no rosto. Um deles, fotógrafo, atingido em um dos olhos, provavelmente terá sua visão reduzida à metade.
Estamos assistindo a uma perigosíssima associação entre as forças policiais e a extrema direita de caráter fascista no mundo inteiro – o que merece uma análise mais ampla. Mas, no caso brasileiro, parece haver interesse calculado em criar um ambiente de pânico na população, que sempre favorece os golpistas. Todos os testemunhos são os de que as pessoas se manifestavam pacificamente, quando a polícia tomou a iniciativa do ataque.
O governo federal considerou exagerada a repressão nos dois estados. Isso explica por que não houve excesso na contenção, ontem, dos manifestantes contra os gastos da Copa do Mundo, na abertura dos jogos da Copa das Confederações, no estádio Mané Garrincha. A polícia do Distrito Federal é paga com recursos da União.
Há políticos em governos que esperam dividendos eleitorais por sua tolerância com a brutalidade de seus subordinados policiais. No entanto, eles correm o risco de serem vítimas eventuais da mesma estupidez. Os governadores Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral devem retomar as rédeas de suas corporações militares, antes que elas recusem qualquer freio.
Argumenta-se que o aumento anunciado – de apenas vinte centavos – é irrisório e não justificaria a reação popular. Os mais vividos se recordam que quebra-quebras promovidos pelos estudantes – aos quais se somavam os transeuntes disponíveis – sempre houve no passado. Não só se protestava contra o aumento dos transportes coletivos, como, também, contra o aumento dos ingressos cinematográficos. Isso sem esquecer as costumeiras passeatas contra o alto custo de vida, que se faziam sob a percussão de garfos e facas contra panelas vazias.
Um dos símbolos da imprensa alternativa, o Binômio, de Belo Horizonte, que seria depredado por militares na antevéspera do golpe de 1964, nasceu como protesto contra a violência da polícia de Minas – e em pleno governo democrático de Juscelino, em 1953. Os estudantes de Belo Horizonte se amotinaram contra o aumento dos cinemas, quase todos pertencentes a um só homem, e foram golpeados pelos longos porretes dos soldados da cavalaria. Diante da reação policial – e de nenhum protesto dos jornais – os jornalistas José Maria Rabelo e Euro Luis Arantes decidiram editar o jornal em que se reunia o humor crítico aos textos pesados e mais pensados.
Mas a violência, no passado, tinha os limites dos cassetetes e das chamadas bombas de efeito moral. Mais ainda: a polícia evitava golpear quem não estivesse praticando atos de vandalismo – e os jornalistas eram sempre respeitados. Nos incidentes dos últimos dias, os jornalistas foram os alvos preferenciais da repressão, e há uma razão: eles são testemunhas públicas da violência. Vários companheiros nossos foram vítimas de empurrões, pescoções, jatos de pimenta nos olhos, bombas de gás lacrimogêneo endereçadas, porretadas e balas de borracha no rosto. Um deles, fotógrafo, atingido em um dos olhos, provavelmente terá sua visão reduzida à metade.
Estamos assistindo a uma perigosíssima associação entre as forças policiais e a extrema direita de caráter fascista no mundo inteiro – o que merece uma análise mais ampla. Mas, no caso brasileiro, parece haver interesse calculado em criar um ambiente de pânico na população, que sempre favorece os golpistas. Todos os testemunhos são os de que as pessoas se manifestavam pacificamente, quando a polícia tomou a iniciativa do ataque.
O governo federal considerou exagerada a repressão nos dois estados. Isso explica por que não houve excesso na contenção, ontem, dos manifestantes contra os gastos da Copa do Mundo, na abertura dos jogos da Copa das Confederações, no estádio Mané Garrincha. A polícia do Distrito Federal é paga com recursos da União.
Há políticos em governos que esperam dividendos eleitorais por sua tolerância com a brutalidade de seus subordinados policiais. No entanto, eles correm o risco de serem vítimas eventuais da mesma estupidez. Os governadores Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral devem retomar as rédeas de suas corporações militares, antes que elas recusem qualquer freio.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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